A história olímpica de Bruce Jenner, décadas antes de Caitlyn Jenner florescer | Mergulho Olímpico #2

"O maior atleta do mundo" veio na Olimpíada de Montreal 1976, bem antes do reality show

É bem provável que você saiba da história de Caitlyn Jenner. Ou que tenha tomado conhecimento de Bruce Jenner no reality show Keeping Up with the Kardashians.

Mas vamos voltar um pouco.

Não fosse o joelho estourado na época da faculdade, é possível que Bruce Jenner tivesse feito carreira no futebol americano. A impossibilidade jogou-o de braços abertos no atletismo.

Da infância nos subúrbios de Nova York e Conneticut, Bruce trouxe o diagnóstico da dislexia. Foi cair no esporte para se cuidar e, depois de sair do time de futebol americano da Graceland College (hoje Graceland University), foi encorajado por seu treinador a seguir nos esportes, só que na modalidade do decatlo. A vida do aspirante a atleta no suburbano Iowa, nunca seria a mesma.

O decatlo é tão sinistro que precisa de dois dias seguidos para ser completado. Obviamente, para se candidatar a astro da modalidade, é preciso força física, intensidade, foco e enorme resistência.

Bruce Jenner, portanto, praticava tudo isso: 100 metros rasossalto em distânciaarremesso de pesosalto em altura400 metros rasos110 metros com barreiraslançamento de discosalto com varalançamento de dardo e corria, só pra fechar bem, os 1500 metros.

O astro no ápice. Tudo mudaria com o ouro. Tudo

É tanta habilidade específica que considerar o vencedor olímpico do decatlo o "maior atleta do mundo" é comum. A imprensa adorava fazer isso. Incomum é a facilidade que Bruce impôs nos jogos olímpicos de Montreal, em 1976. Em sua segunda Olimpíada, Bruce passou o trator no soviético Nikolai Avilov, tido como favorito ao ouro. Era dele a vitória quatro anos antes.

Aos 26 anos, vindo de períodos de oito horas de treinos diários e uma carreira duvidosa como vendedor de seguros, Jenner não deu chances para ninguém. Enfileirou recordes pessoais durante os Jogos: 100 metros rasos, salto em distância, arremesso de peso, salto em altura e 400 metros rasos.

Tudo dentro das 24 horas iniciais da prova. 

 

No segundo dia de competição, mais show: era necessário apenas um resultado intermediário na prova final. Mas ele conseguiu a segunda colocação. Só para brincar.

Nos lembra a reação americana ao ídolo olímpico, o site português Público:

“Ele é simplesmente uma versão real do sonho americano, transmite uma vitalidade honesta, uma saúde contagiante e um alegre bom humor”, escreveu Kenneth Turan, do Washington Post, em 1977. “Será culpa dele se tem uma sinceridade direta e confiante? De ser o tipo de pessoa que todos gostaríamos de ser quando crescermos?”

Parte do sonho americano é tornar-se um herói, entrar no panteão dos mitos. Bruce fez então sua parte. Daquela vitória incontestável para frente, ele estaria sempre onde fosse necessário para nunca mais ser esquecido.

Foi comentarista esportivo, deu cara à uma linha de roupas, escreveu uma autobiografia, partiu para os discursos motivacionais e estampou a caixa de cerais matinais.

Alguém precisava ensinar o caminho até o Olimpo, certo?

O cereal dos campeões

O esporte já não fazia sentido para o cara que quase tirou de Christopher Reeve o papel de Super-Homem no cinema. Ainda que não tenha sido Clark Kent, era claro que viver para Bruce era ser alguém. Era invadir a vida das pessoas, ser seguido e projetado como o caminho verdadeiro do sucesso. Milhões de dólares não fazem nada mal também, claro.

Engraçado é ver que, de alguma forma, se prender ao sucesso televisivo - que veio da glória olímpica - pode ser encarado um pouco como a kryptonita de Bruce.

Foram os holofotes sempre acesos que dragaram um atleta invencível para a máquina de moer gente que é o mundo das celebridades. E ele entrou sorrindo. Essa mesma máquina passou recentemente a ser usada por Caitlyn em favor da visibilidade daqueles tantos que foram aprisionados pelo próprio corpo.

É a velha coragem olímpica ressurgindo. A coragem que sempre insiste em andar junto aos campeões de verdade. Como foi Bruce em 1976. E como é Caitlyn em 2016.


publicado em 09 de Março de 2016, 00:10
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Rafael Nardini

Torcedor de arquibancada, vegetariano e vive de escrever. Cobriu eleições, Olimpíadas e crê que Kendrick Lamar é o Bob Dylan da era 2010-2020.


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