O primeiro Dia dos Namorados

— Senhor?

— Pois não?

— Adão na linha sete.

— Pode passar.

— Alô?

— Oi, Adão. Tudo bem?
— Oi, Adão. Tudo bem?

— Tudo. O Senhor me ligou?

— Sim. Eu iria ligar mais tarde, pois precisava conversar com você. Mas estou ligando agora para saber uma coisa.

— Diga.

— Ligaram aqui de um restaurante confirmando uma reserva feita no Meu nome. E algo me diz que você saberia explicar isso.

— Ligaram? Que ótimo! O Senhor confirmou, certo?

— Sim. E Eu estava certo. Como presumi, a reserva era sua.

— Isso. A reserva é para hoje à noite, certo?

— Parece que sim.

— Obrigado por ter confirmado. Algo mais? Eu estou com um pouco de pressa.

— Adão, desde quando você precisa de reserva para ir a um restaurante?

— Bem, sem reserva seria impossível entrar neste restaurante. Aliás, eu quase não consegui fazer a reserva. Só funcionou quando usei o nome do Senhor. Aí me arrumaram uma mesa imediatamente.

— Mas o que tem de tão especial nesse restaurante?

— Bem, é o único restaurante do Paraíso. E como é Dia dos Namorados, aposto que vai estar lotado.

— Hoje é Dia dos Namorados aí embaixo?

— Sim. Bem, o Senhor precisa de algo mais? Porque eu ainda preciso buscar minha roupa, e...

— Roupa? Que roupa?

— Ah, comprei uma folha de parreira nova para vestir no jantar de Dia dos Namorados hoje. Vou buscar agora. Na verdade, ainda preciso experimentar. Eu tentei mais cedo, mas não consegui vestir, estou com uma baita dor nas costas. Quero ver se agora consigo.

— Dor nas costas?

— Isso. Desde a hora que acordei. Acho que dormi de mau jeito.

— Entendo. Adão... Sobre este seu jantar...

— Ah, fique tranquilo, está tudo mais que acertado, faltava apenas confirmar a reserva do restaurante. Agora vou resolver a roupa. O vinho já está na minha caverna.

— Vinho?

— Isso. O que é um Dia dos Namorados sem vinho, certo?

— Olhe, Adão...

— E o presente também já está pronto. Sem querer me gabar, acredito que vai ser o melhor presente da história do Dia dos Namorados. Bom, não que isso queira dizer muita coisa, já que esse é o primeiro Dia dos Namorados, mas... Enfim, é um baita presente. Quer que eu conte o que é?

— Adão, na verdade...

— Eu falo. Mas o Senhor precisa guardar segredo. É uma pedra em forma de anel, toda decorada com umas trepadeiras enroladinhas. Deu um trabalho absurdo, mas valeu a pena.

— Adão?

— Oi.

— Será que Eu posso falar uma coisa?

— Claro.

— Até aonde Eu sei, você não tem namorada.

— Eu sei disso. É por isso que eu preciso correr.

— Como assim?

— Bem, é o seguinte. Eu tenho algumas horas para arranjar uma namorada, porque eu já espalhei para os macacos que vou sair com a minha namorada hoje.

— Você o quê?

— Eu vou abrir o jogo com o Senhor. Desde que começaram com esse papo de Dia dos Namorados aqui embaixo, todos os animais do Paraíso ficam rindo de mim porque eu não tenho namorada. Aparentemente, eu sou o único a não ter namorada.

— Você não acha que tem coisas mais importantes para se preocupar?

— É porque o Senhor não viu o que os animais fazem. Basta eu chegar ali na floresta, e os macacos começam a dançar de rosto colado. E como eu não tenho ninguém para dançar, eles me entregam um galho e dizem que eu preciso dançar com ele. É vergonhoso.

— Certo, mas...

— Outro dia rabiscaram a parede da minha caverna inteira durante a madrugada. Usaram carvão e escreveram um monte de frases. Leão ama Leoa. Rata ama Rato. Leitão ama Leitoa. Todos os animais escreveram declarações de amor na minha caverna. Todos! Até o otorrino!

— Quem?

— O otorrino. Aquele esquisito.

— Ornitorrinco.

— Isso. Até ele. E, no final, os macacos escreveram um “Ninguém Ama Adão” gigantesco, no meio de tudo.

— Certo.

— Isso sem falar no jogo que inventaram. O Jogo do Adão.

— Jogo do Adão?

— Sim. É assim. Eles desenharam todos os animais em folhas de bananeira. Desenham um macho e uma fêmea de cada animal. Só eu não tenho par. Cada um recebe um punhado de folhas e cada jogador precisa puxar uma folha do outro. Se formar o casal com um animal que você tem na mão, você descarta o par. E assim vai. Adivinha quem perde o jogo?

— Quem?

— Quem ficar, no final do jogo, com a única carta que não tem par. Com a carta do Adão!

— Bom, não podemos negar que é uma boa ideia para um jogo.

— É humilhante demais.

— Enfim, então você resolveu mentir e sair por aí espalhando para todo mundo que tem namorada.

— Não, todo mundo, não. Só para os macacos. E eu não menti. Porque a verdade não é que eu “não tenho namorada”. O correto é que eu “não tenho namorada ainda”. Porque eu estou trabalhando nisso.

— Como assim?

— Bem, tenho conversado com algumas garotas.

— Garotas?

— Sim. Agora mesmo estava batendo papo com uma ema.

— Uma ema?!

— Mas ela não pode jantar comigo hoje. Já tem compromisso.

— Você enlouqueceu?

— Bom, não precisa ficar bravo, ela não vai poder ir. Nem ela, nem a capivara, nem a pantera. Todas têm compromisso. Quer dizer, com a pantera eu nem cheguei a falar. Assim que eu comecei a conversar com ela, o marido dela apareceu e começou a rosnar e eu fui embora.

— Adão...

— Por isso que estou apressado. Preciso encontrar outras fêmeas. Acho que esta hora as tartarugas ficam ali na beira da praia. Vou dar uma passada lá, como quem não quer nada. Ver se conheço alguma tartaruga legal.

— Adão, é impressão Minha ou você está pedindo animais em namoro?

— Não, não estou pedindo ninguém em namoro. É diferente. Eu estou convidando para jantar.

— Sei.

— Que mal tem dois amigos saírem para jantar? Só por que é Dia dos Namorados não posso levar uma amiga para jantar?

— ...

— Alô?

— Oi, Adão.

— Ah, eu achei a linha tivesse caído, o Senhor não falou mais nada.

— Não, Adão, Eu continuo aqui. Eu só me senti extremamente cansado. Mais nada.

— Bem, o Senhor não precisa ficar preocupado. Eu não pedi ninguém em namoro. Só preciso aparecer com alguma namorada no restaurante hoje. Senão eu serei motivo de piada o resto da vida.

— Sei. E o presente? E o vinho?

— Bem... Se rolar um clima durante o jantar... Se for uma fêmea simpática, que souber me valorizar e gostar da minha companhia... Quem sabe eu...

— Adão!

— Enfim, eu li em algum lugar que a gente não deve planejar essas coisas.

— Adão, chega. Você não vai mais falar com fêmea nenhuma.

— Na verdade... O Senhor consegue guardar um segredo?

— Oi?

— Vou contar uma coisa agora, mas precisa ficar entre nós. Certo?

— Diga.

— Não, eu preciso que o Senhor prometa que vai guardar segredo antes de eu falar.

— Adão?

— Oi.

— Não abuse da sorte.

— Desculpe. Enfim... Eu acho que pode dar certo com a joaninha.

— Com quem?!

— Com a joaninha. Parece que ela está brigada com o marido, e conversou comigo durante bastante tempo hoje de manhã. Acho que se eu convidar para jantar, ela aceita. O problema é que... Bem, é uma joaninha, né? Meio pequena. Acho que iria ficar estranho. O que o Senhor acha?

— Adão, será que...

— Além disso, todo mundo ia achar que estou sozinho no restaurante. Ninguém ia ver a joaninha na mesa. Não ia adiantar nada.

— Adão, por favor, Eu...

— Por outro lado, a conta do restaurante iria sair barata. O que uma joaninha deve comer? Meia folha de grama? Uma pétala de flor?

— Adão?

— Oi.

— Eu acho que você devia esquecer isso.

— A joaninha? Talvez o Senhor tenha razão. Ela é minúscula, e com essas costas doendo aqui, eu não vou conseguir nem abaixar para apanhá-la do chão. Aliás, o Senhor não consegue me ajudar com essas costas?

— Não, Adão.

— Está doendo horrores. Será que eu bati em algum lugar?

— Não sei. Enfim, eu acho que você devia esquecer tudo isso. Devia parar de pensar nisso. E não estou falando da joaninha.

— Está falando do quê? Das costas?

— Não, Adão! Estou falando de tudo! Do jantar, da joaninha, do presente, da namorada falsa.

— Como assim?

— Esqueça esse negócio de jantar do Dia dos Namorados. Vai cuidar do Paraíso e deixe isso para lá.

— O Senhor fala isso porque não precisa aguentar os macacos rindo o tempo todo.

— Adão, se você não cuidar do Paraíso, você vai ter que aguentar coisa muito pior. Se você quiser, posso mandar um anjo com uma espada de fogo até aí embaixo, e você janta com ele. Aposto que ele iria adorar.

— Não, não precisa.

— Deixe tudo isso de lado. Pare de tentar convidar fêmeas para jantar com você. Isso não é certo.

— Sei. Até parece que o Senhor é contra o amor entre raças diferentes. Logo o Senhor...

— Adão, Eu já expliquei isso. Você e os animais não são de raças diferentes. Vocês são espécies diferentes.

— Ah, é. Eu sempre confundo esse negócio de raça e espécie. Como é que era mesmo? Eu sou do reino animal, invertebrado... Não. Espera, está errado. Eu sempre esqueço essas coisas.

— Isso não importa. Basta você saber que é errado sair com as fêmeas dos animais.

— Lembrei! Eu sou vertebrado! Não sou?

— Foco, Adão! Foco!

— Desculpe. Enfim, agora é tarde para mudar de ideia, a reserva já está confirmada. É impossível cancelar a essa hora.

— Deixe isso comigo. Além disso, ela está no Meu nome.

— Bem, isso é verdade. Mesmo assim, o gerente do restaurante vai implicar. É um tucano chato demais.

— Como eu disse, Eu resolvo isso. Eu cuido disso e dos macacos.

— Certo.

— E você vai cuidar do Paraíso. E nada de ficar convidando fêmeas para jantar.

— Certo. Bom, na verdade, será que eu posso tirar o resto do dia de folga? Estas costas estão me matando, quero deitar um pouco.

— Tudo bem. Vá descansar.

— Obrigado.

— Algo mais, Adão?

— Não, Senhor. Obrigado. Até logo.

— Tchau, Adão.

Assim que desligou o telefone, Deus decidiu que deveria punir os macacos. Para castigá-los, aproveitou a ideia do jogo de folhas de bananeira e determinou que, dali em diante, um dos macacos seria o “animal sem par” no jogo. E, pior: os próprios primatas teriam que escolher qual deles daria nome ao jogo.

Mandou alguns anjos descerem até a floresta e, com menos de cinco minutos de conversa, os macacos fizeram o que sempre faziam quando a coisa apertava: falaram que era culpa do menorzinho deles, que não tinha como desmentir ou protestar e levava a culpa. Nascia, assim, o Jogo do Mico.

Mas, na verdade, Deus estava mais preocupado com outra coisa. Observou Adão caminhando em direção à caverna, ouvindo suas reclamações sobre dor nas costas. E viu quando o homem cruzou a entrada da caverna e desapareceu na escuridão.

Provavelmente Adão encontrou a surpresa que Deus havia preparado, já que ficou sem botar a cara para fora da caverna por três dias. E, quando apareceu, saiu de mãos dadas com a criatura mais linda que o Paraíso havia visto. Era uma versão melhorada e mais bonita de Adão, com cabelos cacheados que brilhavam ao Sol e olhos da cor do mar. E, em seu dedo, um anel de pedra com trepadeiras enroladas.

Durante dias, só se falava sobre isso no Paraíso. Sempre que dois animais se encontravam, o assunto era o mesmo.

— E Deus criou a mulher.

Adão não conseguia disfarçar sua felicidade. E, como havia ganhado uma massagem de presente no Dia dos Namorados, nem reclamava mais da dor nas costas. Na verdade, nem pensava mais sobre isso.

E ele nunca percebeu que uma de suas costelas havia desaparecido.

Mecenas: Blowtex

Blowtex
O filme dizia:

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publicado em 01 de Junho de 2013, 21:00
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Rob Gordon

Rob Gordon é publicitário por formação, jornalista por vocação e escritor por teimosia. Criador dos blogs Championship Vinyl e Championship Chronicles.


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