Perdi dez anos tentando ser perfeito (por favor, não faça o mesmo)

Quando o desejo de mandar bem só atrasa a sua vida

Louis C.K. é um artista, mais do que um comediante.

Isso fica mais ou menos claro quando você começa a observar que, para além da comédia stand up, ele produz, dirige, atua e escreve em praticamente tudo que participa.

Sua produção é ampla e de qualidade indiscutível. Mesmo que não goste do tom da comédia dele, você tem que dar o braço a torcer.

Há alguns anos me deparei com esse vídeo, no qual ele fala sobre a influência que George Carlin exerceu em sua vida.

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O ponto que mais ressoou em mim foi a parte na qual ele diz que passou 15 anos tentando aperfeiçoar um show que era uma bosta. Isso realmente começou um processo em mim, então, acho que vale muito a recomendação.

Traduzi aqui embaixo pra quem, por acaso, preferir não ver o vídeo, mas reforço, reserve dez minutos, feche as outras abas e assista.

Na primeira vez que entrei no palco, eu fiz um minuto e meio e bombei. Foi terrível, mas eu queria tanto que continuei tentando e eu aprendi como escrever piadas — e eu só tinha piadas, meio que pensamentos engraçados, e sei lá, e… cerca de 15 anos depois, eu estava andando em um círculo que não estava me levando a lugar algum. Ninguém ligava pra quem eu era e eu muito menos. Eu honestamente não me importava. Eu costumava ouvir meu ato e pensar “isso é uma bosta e eu odeio essa merda”, mas eu estava trabalhando nisso por 15 anos. Parar agora seria como sair da prisão, quer dizer, o que você faz depois de 15 anos de comédia stand up? Como você volta ao mercado de trabalho? Então, eu estava num lugar realmente ruim.

Eu odiava meu ato. Eu estava trabalhando na mesma hora de comédia por 15 anos e era uma bosta. Eu juro! E eu estava trabalhando em lugares como restaurantes chineses. Eu estava, eu fazia um show num restaurante chinês, ninguém nem sabia que um show ia acontecer. Eles estavam lá pra comer e de repente, você lá “hey, todo mundo” e eles ficam, “eu estou comendo, eu nem quero ser forçado a a sentar e, ah…”

Então, eu estava nesse restaurante chamado Kowloon em Boston, Saugus, Massachussetts, sentado no meu carro depois do show me sentindo, tipo, “isso tudo foi um grande erro, eu não sou bom o bastante e eu odeio…” — Eu sentia como se as minhas piadas fossem uma cilada e eu ouvi um CD do George falando sobre comédia, fazendo um workshop, falando sério.

E a coisa que explodia minha cabeça sobre ele é que ele continuava fazendo especiais. Todo ano tinha um novo especial do George Carlin, um novo álbum, eles simplesmente continuavam chegando. E cada um era mais profundo que o outro e eu só pensava “como ele consegue fazer isso?”.

E isso me fez literalmente chorar — que eu nunca conseguiria fazer aquilo. Eu estava fazendo as mesmas piadas por 15 anos.

Então, eu estava ouvindo e perguntaram pra ele, “Como você produz todo esse material?” E eu fiquei, tipo eeeee… Então, eu ouvi e ele disse, “Eu apenas decidi que todo ano eu trabalharia no especial daquele ano. Então eu faço o especial e aí eu jogo o material fora e começo do nada.”

E eu pensei “isso é loucura! Como você joga fora? Eu demorei 15 anos pra construir essa hora de merda. Se eu jogar fora, não me sobra nada!”

Mas ele me deu a coragem de tentar — além do que, eu estava desesperado, o que mais eu poderia fazer? — essa ideia de que você joga tudo fora e começa de novo.

E eu pensei, “é, ok, quando você cansou de fazer piadas sobre aviões e cachorros e você as joga fora, o que sobra?” Você só pode cavar mais fundo, você pode começar a falar sobre, sabe, seus sentimentos e quem você é, então você faz essas piadas e acabou. Você tem que cavar mais fundo, então, você começa a pensar nos seus medos e nos seus pesadelos e faz piadas sobre isso, então, elas acabam e você começa a sentar em cima de umas merdas esquisitas e eventualmente você chega nas suas boas, mas… É um processo que eu vi ele fazendo a minha vida inteira e eu comecei a tentar e pensei, “O que eu — porque ele diz qualquer coisa que queira… o que eu realmente quero dizer que eu tenho medo de dizer?”.

Esse trecho ressoa bastante em mim.

Eu perdi pelo menos dez anos tentando ser perfeito. Quando comecei a tocar, queria muito ser um grande cantor, o melhor compositor, enfim, um gênio. Porém, esse pensamento aliado a um monte de outros enganos, não me ajudou em nada, pelo contrário, foi o catalisador da minha estagnação. Acredito que eu teria chegado a lugares totalmente diferentes se tivesse a bola mais baixa e parasse de ser tão preciosista sobre a minha criação e quem eu achava que era.

Com a minha antiga banda, passamos 6 anos trabalhando praticamente o mesmo repertório. Tocamos por aí, mas nunca fizemos um registro completo e adequado. Nunca deixamos de ser uma promessa, uma possibilidade. E, por mais que me doa o coração admitir, uma promessa não é nada.

Por outro lado, com escrita, acho que tive uma experiência muito mais rica. O fato de eu escrever em um portal como o PapodeHomem, ter projetos com deadlines, não poder virar as costas pras críticas dos leitores nos comentários, ser obrigado a dar feedback, analisando profundamente os textos de outros autores, tudo isso me fez crescer muito.

O trabalho que você tem escrevendo, lançando textos no ritmo como fazemos no PdH, não vale muita coisa depois de uns dois ou três dias. É vento, some.

Claro, eu sei que fica lá para quem buscar e eventualmente se deparar com o texto por causa de algum compartilhamento (e também sei que fazemos um esforço de requentar os textos pelas redes sociais), mas o grosso da vida útil do texto é isso, uns dois ou três dias. E na próxima semana tem mais um monte de material pra produzir.

Parece (e é) bastante cansativo. Mas é assim que se cresce, na minha experiência. Escreva, publique, converse um pouco sobre, ouça as críticas, mas depois de um certo tempo, abandone e comece outra coisa.

Quando faltar assunto, esse é o momento de maior riqueza. É hora de cavar mais fundo.

Como músico, eu passei dez anos até ter coragem de abandonar meu velho material e minha velha autoimagem, para trabalhar em algo novo. Hoje, eu realmente gostaria de ter feito isso antes.

Mas também sei que essa experiência pode ser útil. E é por isso que estou escrevendo esse texto agora.

Não seja como eu. Não perca dez anos da sua vida tentando ser perfeito.

* * *

Nota: publiquei esse texto no meu Medium. A partir de agora, a ideia é seguir publicando por lá insights sobre criação e outros assuntos relacionados toda terça. Aqui no PdH vou publicar os melhores às quartas, de duas em duas semanas. E nas outras quartas, sai Eu Ouvi Pra Você. Então, agora que você sabe meu calendário de publicação, é só acompanhar. ;)


publicado em 06 de Julho de 2016, 00:15
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Luciano Ribeiro

Cantor, guitarrista, compositor e editor do PapodeHomem nas horas vagas. Você pode assistir no Youtube, ouvir no Spotify e ler no Luri.me. Quer ser seu amigo no Instagram.


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