O que está em jogo na proposta de dar mais R$ 2,2 bi de verba pública a campanhas políticas

Para relator da reforma política, modelo atual de escolha de deputados é incompatível com proibição de doações empresariais

Esse texto faz parte da série de republicações do jornal digital Nexo publicada semanalmente às segundas-feiras. O artigo original de Bruno Lupion pode ser visto na página do jornal, onde você também pode fazer sua assinatura para ter acesso a 100% do conteúdo publicado.

***

A comissão da reforma política na Câmara, que discute mudanças no sistema eleitoral, recebeu na terça-feira (4) um documento com novos elementos para a discussão. O deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator do colegiado, apresentou um parecer no qual propõe mudanças para serem adotadas na eleição de 2018. As principais são:

  • Criar um novo fundo com R$ 2,2 bilhões de recursos públicos para financiar as campanhas, além do atual Fundo Partidário, das doações de pessoas físicas e das autodoações.
  • Obrigar os eleitores a votar somente no partido, e não nos candidatos, para a Câmara dos Deputados. As legendas escolheriam quais nomes ocuparão as cadeiras que conquistarem.
Deputado Vicente Cândido (PT-SP) apresente relatório sobre reforma política na Câmara.

O relator afirma que diante da proibição das doações empresariais, determinada em 2015 pelo Supremo Tribunal Federal, não haverá dinheiro suficiente para custear a disputa de 2018 se o modelo atual, em que todos os candidatos a deputado se lançam na disputa, for mantido.

O melhor a fazer, segundo ele, é dar mais dinheiro público às campanhas e concentrar a concorrência entre os partidos, e não entre os candidatos, o que reduziria os custos e melhoraria o conteúdo do debate.

No modelo em vigor, o voto do eleitor define quantas cadeiras cada partido terá na Câmara e, também, quais candidatos de cada partido ocuparão aquelas cadeiras. Pela proposta de Cândido, o eleitor definirá apenas o tamanho da bancada de cada partido — cada legenda decidirá, antes da eleição, quem tem preferência para ocupar as vagas, em um modelo chamado de lista fechada pré-ordenada.

“A votação em listas partidárias pré-ordenadas tende a impedir a multiplicação de candidaturas e a competição intrapartidária, fatores que hoje encarecem as campanhas políticas (…) É impossível conceber que campanhas com mais de 400 mil candidatos fossem financiadas com recursos públicos”

Vicente Cândido – Em relatório parcial a comissão da Câmara sobre reforma política

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), o PSDB e parcela do PT também querem esse modelo, entre outros setores do Congresso.

A maioria dos integrantes da comissão da reforma política, contudo, segundo o jornal “O Estado de S.Paulo”, afirma não aprovar a medida. O presidente Michel Temer já afirmou que a criação de um novo fundo público só serve caso haja lista fechada, mas não a considera o modelo ideal.

Em maio de 2015, a Câmara analisou uma proposta para implementar a lista pré-ordenada, que acabou rejeitada por 402 votos a 21. A adoção do sistema voltou a ser discutida menos de dois anos depois, em um momento em que a Operação Lava Jato avança sobre congressistas e cúpulas partidárias.

Para críticos, a lista fechada pré-ordenada ajudaria as legendas a preservar seus principais nomes na eleição de 2018, já que caberia ao partido, e não ao eleitor, definir quem ocupará as cadeiras na Câmara que cada sigla conquistar.

Valor das campanhas a deputado federal

As campanhas para deputado federal em todo o país receberam em 2014, em valores declarados, R$ 1,3 bilhão, segundo dados compilados pelo projeto “Às Claras”, da Transparência Brasil, em valor corrigido pelo IPCA até fevereiro de 2017. Naquele pleito, os partidos podiam receber verbas públicas, doações de pessoas físicas e de empresas.

O valor arrecadado em 2014 foi 180% superior ao que as campanhas para o mesmo cargo levantaram em 2002, em valores reais, já descontada a inflação. No período, o número de cadeiras em disputa na Câmara se manteve em 513 vagas e o eleitorado cresceu 24%. O valor arrecadado oficialmente por cada voto em disputa mais que dobrou — de R$ 6 em 2002 para R$ 14,50 em 2014.

Dinheiro para campanhas

O gráfico acima conta a história da evolução do financiamento das campanhas quando doações de empresas eram permitidas. Em 2018, o volume de recursos disponível cairá, já que pessoas jurídicas não podem mais financiar políticos.

Na eleição municipal de 2016, a primeira sob o novo modelo de financiamento, que só admite recursos públicos do Fundo Partidário e doações de pessoas físicas (incluindo autodoações), o custo da campanha foi 49,68% menor do que o de quatro ano antes, em 2012, já descontada a inflação, segundo o relatório de Vicente Cândido.

A partir desse dado, o deputado projeta que o volume de recursos necessário para a eleição de 2018 também será cerca de 50% menor do que na de 2014.

Caso esse percentual seja aplicado aos dados de 2014 compilados pela Transparência Brasil, as campanhas de 2018 — governadores, deputados estaduais, deputados federais, senadores e presidente — receberiam cerca de R$ 2,9 bilhões, em valores atuais.

O montante é próximo à soma do novo fundo público para campanhas proposto por Vicente Cândido, de R$ 2,2 bilhões, com o Fundo Partidário já existente, que custeiam as atividades das legendas ao longo do ano. A disponibilidade de recursos públicos reduziria a necessidade de os partidos pedirem doações de pessoas físicas que os apoiam.

Há outros fatores que podem ajudar a reduzir as despesas dos candidatos. A reforma eleitoral aprovada em 2015 diminuiu o tempo de campanha de 90 para 45 dias e o período de propaganda em rádio e TV de 45 para 35 dias.

Outro elemento seriam cortes no gasto com marqueteiros — em 2014, a campanha à reeleição de Dilma Rousseff pagou R$ 89 milhões ao publicitário João Santana em gastos declarados, 28% do custo total declarado pela petista, de R$ 318 milhões. Essas cifras não incluem eventuais valores pagos via caixa dois, que estão sob investigação da Operação Lava Jato.

Quanto dinheiro público os partidos já recebem

Fundo Partidário

As legendas receberam cerca de R$ 820 milhões em 2016 em recursos do Fundo Partidário, e devem receber valor semelhante em 2017.

Tempo de TV

A propaganda eleitoral em rádio e TV é gratuita somente para os partidos. O valor do tempo utilizado pelas legendas é ressarcido pela União às emissoras, na forma de descontos no imposto devido. Em 2014, o horário eleitoral custou R$ 839 milhões — em valor corrigido até fevereiro de 2017, R$ 1 bilhão.

Nos Estados Unidos, onde há uma cultura arraigada de grandes doações empresariais a campanhas políticas e de pedidos dos candidatos para que pessoas físicas doem, o tempo de rádio e TV é comprado por cada candidato.

O efeito da lista fechada com o novo fundo público

O Nexo perguntou ao cientista político Emerson Cervi, professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná), o que está em jogo na discussão da adoção da lista fechada pré-ordenada e qual seria a consequência de sua utilização junto com o novo fundo público de R$ 2,2 bilhões para campanhas.

O que está em discussão no debate sobre a lista fechada?

Emerson Cervi Quem ordena a lista dos deputados eleitos. O nosso modelo atual é lista fechada pós-ordenada, quem ordena é o eleitor. A proposta quer a lista fechada pré-ordenada, definida pelo partido, pelo critério que ele usar.

Qual é o impacto de adotar a lista pré-ordenada pelo partido?

Emerson Cervi É reduzir a nossa democracia. Hoje o eleitor toma duas decisões. A primeira é decidir quantas cadeiras cada partido vai levar. A segunda é decidir quem vai sentar nas cadeiras.

Pela proposta da lista pré-ordenada, o eleitor só vai dizer quantas cadeiras cada partido terá, mas não quem deve ocupar as cadeiras. A meu ver, é redução da capacidade de intervenção do eleitor no nosso sistema representativo.

Busca-se uma série de justificativas para tentar evitar o motivo real da pré-ordenada, que é tirar da mão do eleitor a decisão de quem estará na cabeça das listas. Me parece que há um desejo de blindar determinados indivíduos de cúpulas de partidos.

Qual o impacto de criar um novo fundo de dinheiro público para campanhas no atual modelo de financiamento?

Emerson Cervi Todos os países que ampliaram a participação do Estado no financiamento tiveram, como efeito direto, o afastamento dos partidos em relação à sociedade. Doar dinheiro para campanhas como pessoa física também é participar. Reduzir a participação disso no total é diminuir a democracia.

Sou contra a criação do novo fundo, não por causa do valor, mas porque tende a afastar os partidos da sociedade. O partido tem que ir para a sociedade pedir dinheiro, porque assim ela estará lá participando.


publicado em 10 de Abril de 2017, 16:16
Avatars 000194027406 uez5k7 t500x500

Nexo Jornal

Nexo é um jornal digital para quem busca explicações precisas e interpretações equilibradas sobre os principais fatos do Brasil e do mundo. Nosso compromisso é oferecer aos leitores informações contextualizadas, com uma abordagem original. Para o Nexo, apresentar temas relevantes de forma clara, plural e independente é essencial para qualificar o debate público.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura