Quando jogadores perdem entes queridos, fazem belas homenagens e emocionam | Mais que um jogo #6

Na Eurocopa e na Copa América, jogadores que perderam entes queridos usaram o futebol para fazer homenagens belíssimas e nos lembrar que são de carne e osso

Seja aquele desejo infantil da criança perguntada sobre o que quer ser quando crescer ou aquela inveja já bastante adulta do estilo de vida e da conta bancária, quem de nós nunca desejou ser ou pelo menos ter a vida de um jogador de futebol?

Sentados num sofá, na arquibancada ou numa mesa de bar assistindo a uma partida de futebol, não é raro testemunharmos um jogador cometendo um erro bizarro. Nessa fatídica hora, logo aparecem os argumentos: "esses caras ganham milhões pra fazer isso", "se eu ganhasse metade do que ele ganha, faria muito melhor". Se o cara for do nosso time, então, os relatos indignados podem ir muito mais longe. Você e eu sabemos bem.

Agora, se você tiver a sorte (ou o azar) de estar num grupo onde a conversa vai um pouco além disso, os diálogos logo vão se desdobrando e sem demora a vida do tal jogador é passada a limpo. Na maioria dos casos, o discurso cita os carros de luxo, as mansões, as festas com belas modelos e as mais diversas ocasiões onde o jogador foi pego curtindo a vida com outras celebridades.

Eu ia colocar uma foto do Ronaldinho na gandaia, mas fiquei envergonhado. Essa fica por sua conta.

Em outros casos, há quem deixe o estilo e as cifras de lado em troca de aspectos, digamos, mais românticos. O desejo de ter seu nome gritado pela torcida num estádio lotado, a vontade de vestir a camisa da seleção de seu país (ainda rola?), o sonho de marcar o gol do tão sonhado título do clube de coração. Não faltam argumentos para que, num país como o nosso, (quase) todo mundo já tenha se imaginado na pele de um jogador de futebol. 

As vantagens são tantas para quem assiste de fora que ao longo do tempo ficamos com a impressão de que esses caras são verdadeiros heróis. Infalíveis. Só que de tempos em tempos, os maus exemplos aparecem para nos lembrar que esses caras também erram, erram feio, e a vida deles pode se tornar um inferno com tamanha visibilidade e repercussão.

Nem tão frequentemente assim, surgem outros exemplos que nos mostram como esses caras são, em última instância, nada mais do que seres humanos que riem, choram, comemoram e sofrem como nós.

Nesses casos, a repercussão e a visibilidade também não ficam de fora e mais cedo ou mais tarde, a gente acaba descobrindo histórias incríveis esquecidas ou encobertas.

Foi essa ferida aberta que descobrimos em alguns casos recentes.

Di Maria e os valores de família

A Argentina foi mais uma vez derrotada na final da Copa América. O algoz mais uma vez foi o Chile. A derrota mais uma vez veio nos pênaltis. E a geração de Messi e companhia mais uma vez ficou no 'quase'. Mas apesar da história ter terminado com as famosas lágrimas do melhor do mundo, um outro jogador - que mais uma vez saiu machucado - roubou a cena muito antes.

Messi chorou e suas lágrimas ficaram famosas. Mas não são elas que vamos destacar.

No dia da partida de estreia da Argentina, Di Maria recebeu a notícia do falecimento de sua avó. Com a competição sendo realizada nos Estados Unidos e a o enterro na Argentina, o atacante teve que tomar uma decisão: jogar de luto ou não jogar?

Com medo de ser barrado pelo técnico mesmo estando decidido, Di Maria não só jogou como escondeu a notícia do treinador e teve uma bela atuação. Mas a assistência e o gol que marcou nesse jogo ficaram em segundo plano diante da homenagem que fez para sua falecida avó.

Segundo ele, jogar era a vontade de sua avó e caso isso não ocorresse por conta de seu falecimento, ela ficaria mais triste.

“No dije nada porque tenía miedo de no jugar, si no jugaba mi abuela se iba a enojar”

Ángel Di Maria.

Ao final da partida e após as homenagens, o técnico argentino finalmente ficou sabendo do que havia acontecido e declarou:

“Me enteré hace cinco minutos. Lo vi listo para jugar antes del partido, las personas reaccionan diferente a estas situaciones.”

Gerardo Martino

Na emocionante entrevista que concedeu à televisão ainda dentro de campo, Di Maria foi um pouco mais a fundo na história:

“É difícil por minha mãe, por meus tios. Às vezes alguns te criticam, mas quando acontecem essas coisas é difícil estar longe da família. Eu queria jogar. A seleção é um orgulho que eu tenho. Minha mãe pediu que ficasse, que estivesse com meus companheiros e que ganhássemos a partida. Eu sabia que teria a possibilidade de fazer um gol. Já tinha acontecido com o meu sogro, agora com minha avó. Assim fico contente pelo gol e mando saudações a toda a minha família.”

Ángel Di Maria

Em 2011, quando ainda estava no Real Madrid, o argentino homenageou o sogro da mesma forma: com uma mensagem na camiseta, ao balançar as redes nos 6 a 2 sobre o Sevilla.

Por último, Di Maria postou uma foto no Instagram na qual revelou a proximidade com sua avó e como ela foi responsável por lhe transmitir os valores de família.

Di Maria, emocionado, marca um gol e faz homenagem a avó com camiseta improvisada.
Nela, a mensagem: "Abuela, te voy a extrañar muchisimo". Vovó, vou sentir muito a sua falta.
Com um passe e um gol, Di Maria deu a vitória à Argentina e foi eleito o melhor da partida.
Por isso, foi selecionado para a entrevista depois do jogo e nela voltou a chorar.

Link Youtube - Entrevista completa do Di Maria emocionado.

Srna e o último pedido

Do outro lado do Atlântico, os europeus também disputam sua competição continental. E a Eurocopa foi responsável por trazer a público algumas das melhores histórias recentes do esporte. Deixando de lado as torcidas incríveis e as jornadas históricas de seleções como Gales e Islândia - estreantes que foram longe na competição -, alguns jogadores também chamaram a atenção.

Eliminada nas oitavas de final pela seleção portuguesa, a Croácia já tinha motivos para lamentar muito antes disso. Logo após a partida de estreia, quando derrotou a Turquia por 1 a 0, o capitão da seleção descobriu que seu pai havia falecido durante o jogo.

Darijo Srna não tinha na em Uzeir Srna apenas um pai, mas um verdadeiro herói. Durante a infância, Uzeir viu a aldeia onde vivia na Bósnia ser incendiada por militares sérvios durante a Segunda Guerra Mundial. No incêndio, além de quase morrer, Uzeir perdeu a mãe grávida e a irmã. Desde então, ficou sozinho no mundo acompanhado apenas do pai, mas este faleceu alguns anos depois atingido por uma bala perdida.

A vida de Uzeir deu voltas. Ele foi adotado por uma família eslovena, depois foi encontrado pelo irmão e voltou à Bósnia, mas logo juntou alguns trocados para sair do lugar que lhe trazia tantas más recordações. Anos depois, Uzeir acabou jogando futebol e constituiu família, mas nunca teve dinheiro suficiente para dar as melhores condições de vida a todos.

Por isso, quando pequeno, Darijo precisava trabalhar para ajudar a família. Até que certo dia, também resolveu economizar uns trocados para comprar uma chuteira. Chegando em casa, foi repreendido pelo pai.

 “O meu pai ficou zangado e tirou elas de mim, dizendo que ia devolvê-las à loja. Quando voltou, trazia as melhores chuteiras da Adidas que eles tinham…”

Darijo Srna

A partir daí, o pai foi o maior incentivador da carreira do filho. Alimentou seu sonho e viveu pra vê-lo capitão da seleção do país. Como contrapartida, Srna sempre se mostrou muito grato.

“A minha família fez sacrifícios para que eu perseguisse o meu sonho de me tornar jogador profissional de futebol. Eu não tinha outra opção senão ter sucesso. O meu pai e a minha família significam tudo pra mim. Não posso esquecer o quanto eles sofreram ao tentar encontrar dinheiro pra mim. O meu pai teve uma vida muito, muito difícil e estou muito orgulhoso de que agora ele consiga viver uma vida pacífica."

Darijo Srna

Mesmo abalado com a notícia, Darijo partiu imediatamente para a Croácia para cuidar do funeral do pai. Mas logo após enterrá-lo numa segunda-feira, voltou à França para cumprir seu último pedido:

"Foi o último desejo do meu pai que eu estivesse aqui na Eurocopa. Tudo o que ele queria era que eu fosse vencedor com a seleção. Ele investiu tudo o que tinha para que eu pudesse ter uma carreira de jogador. Então, quando voltei para a minha casa, em Metkovic, e meus familiares me disseram que o desejo dele era que eu estivesse aqui resolvi voltar.

É um momento muito difícil para mim e minha família... Só tenho que agradecer a todos. Essa é minha primeira entrevista desde o jogo contra a Turquia, e só queria agradecer a todos os meus amigos, familiares e meus companheiros de equipe por todo o apoio que me deram desde que recebi a triste notícia"

Darijo Srna

Decidido, mesmo com dores musculares, Darijo jogou a partida seguinte contra a República Tcheca e se emocionou muito durante a execução do hino da seleção do país que seu pai tanto se orgulhava de ver o filho representando.

Depois de receber a notícia, Srna voltou à cidade natal para organizar o funeral do pai.
Srna, à esquerda, carregou o caixão do pai e retornou à França para cumprir seu último pedido.
Pai e filho tiveram que superar uma guerra e a morte da mãe e da irmã.
Na última sexta-feira, na segunda partida da Croácia na Euro, o capitão chorou durante o hino.
O lateral direito não escondeu a emoção e precisou se recompor antes da partida.

Kuba e os traumas da infância

Nem tão bonita assim é a história da família do polônes Jakub Blaszczykowski.

Kuba, como é conhecido, não teve uma infância nada fácil. Quando criança, aos 10 anos, ele e o irmão viram o pai, Zygmund, assassinar a mãe, Anna, à facadas durante uma briga doméstica, na Cracóvia, onde moravam.

O pai foi condenado a 15 anos de prisão e solto em 2011, mas faleceu logo em seguida devido a problemas de saúde ligados ao alcoolismo. No enterro, em 2012, mesmo sem nunca mais ter voltado a falar com o pai, Kube e o irmão compareceram numa atitude de quem estava tentando superar o trauma.

"Só é possível seguir em frente quando aceitamos a situação. Passei anos com o coração cheio de ódio. Aconteceu, foi algo que fez parte de mim. Essa lembrança vai me acompanhar pelo resto da minha vida.

Daria tudo o que pudesse em troca da minha mãe estar viva. Aquilo deu um giro de 180 graus em minha vida. Foi como se uma rocha tivesse caído na minha cabeça e uma semana depois eu despertasse, tivesse que recomeçar minha vida e reagir como se nada tivesse acontecido."

Jakub Blaszczykowski, 'Kuba'

E o trauma foi realmente grande. Em sua autobiografia, Kuba relata o rancor que guardou do pai e detalha a ponto de dizer que sentava à mesa ainda criança e dizia que a faca estava guardada para o pai quando ele saísse da prisão.

O impacto também foi responsável por fazer com que o jogador, criado pela avó, quase desistisse do futebol, o que só não ocorreu por intervenção do tio que já tinha jogado na seleção polonesa. Por sorte, Kuba deu a volta por cima e já que não pode ter a mãe de volta faz questão de homenagéa-la a cada gol marcado na carreira com uma comemoração característica apontando os dedos pro céu, já for.

“É um gesto simbólico de agradecimento à minha mãe, que tinha tanta confiança em mim”

Jakub Blaszczykowski, 'Kuba'

Kuba ajoelhado comemorando um de seus gols nessa Euro 2016
Kuba em outra ocasião, mais discreto, após um de seus gols pelo seu clube, o Borussia Dortmund.

***

A 'Mais que um Jogo' é uma série do PdH que depende da sua colaboração. Nossa intenção é reunir boas histórias que permeiam ou se aproximam do esporte, mas que o extrapolam e oferecem doses de esperança e lições de superação para todos nós. Foram anos batendo cabeça para encontrar um fórmula perfeita. Meses fazendo tentativas e testes do que rodava melhor. Semanas matutando o que finalmente poderíamos fazer. E uma única noite para decidir que agora é a hora. Chegamos a conclusão que nesse caso, assim como em quase todos os outros, ou a gente coloca as coisas pra funcionar mesmo sem ter certeza de que vai dar certo ou simplesmente as coisas nunca acontecem.

Porém, para que tudo funcione bem, mais do que nunca estamos interessados em ouvir o que vocês têm a dizer. O que vocês têm de diferente para nos contar. Precisamos disso. E eu como caseiro e curandeiro desse nosso novo filhote, estarei mais atento do que nunca às críticas e sugestões que vierem.

Por isso cada caixa de comentários dessa série é também uma caixa de sugestões e o meu email breno@papodehomem.com.br está mais aberto do que nunca para recebê-los.


publicado em 05 de Julho de 2016, 22:07
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Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a Jornalismo Júnior, organizou campeonatos da ECAtlética e presidiu o JUCA. Siga ele no Facebook e comente Brenão.


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