Vale a pena falar tanto de tudo que a gente não gosta?

Querendo contrariar, acabamos contribuindo pra disseminar conteúdo danoso?

É quase um procedimento padrão na Internet. Você viu algo que te deixou chocado, que achou totalmente absurdo, que nenhum gringo deveria ver e que, se as pessoas soubessem, ficariam enojadas. A sua reação quase sempre vai ser a mesma: você quer mostrar isso para o máximo de pessoas possível.

"Vim trazer uma mensagem iportante para toda a humanidade!". Esse é você.

O que é bem fácil de entender, claro. Dividir coisas ruins com as outras pessoas pode diminuir o peso emocional dessa informação, referendar com a opinião de outros a nossa indignação e até mesmo ser útil para talvez corrigir aquela situação – se todo mundo compartilhar aquela notícia talvez as autoridades se sintam pressionadas a tomar uma atitude, por exemplo?

Mas ao mesmo tempo, quando pegamos essas informações negativas e saímos divulgando para o máximo de pessoas possível, será que estamos apenas contribuindo com nossa paz espiritual e ajudando a sociedade em que vivemos ou será que não estamos, como alguém já disse, fazendo como o bichinho de estimação que assim que você deixa a porta aberta começa a trazer lixo e animais mortos pra dentro de casa?

Quando alguém pega aquele texto horrível, de cujas opiniões ela discorda totalmente, publicado apenas no jornalzinho do plano de saúde dela, e compartilha na Internet, fazendo com que ele viralize, ela está alertando as pessoas sobre aquilo ou aumentando o alcance de algo que apenas meia dúzia de gatos pingados leriam?

E quando você compartilha todas as notícias possíveis sobre aquele candidato que você despreza, você está necessariamente denunciando e causando algum dano real à imagem dele ou você pode acabar sem querer divulgando as ideias do cara e reforçando um clima de hostilidade do qual ele na verdade se alimenta?

"Todo mundo precisa saber que isso não pode ser espalhado". Esse é você.

Isso porque num mar de informações como a Internet, como a vida real hoje em dia, não existe garantia de que o conteúdo que você está oferecendo vai ser processado da maneira que você deseja e atingir as pessoas da forma que você espera. O que você compartilha como ataque para alguns pode virar elogio, o que você compartilha como crítica para outros pode virar reforço, e você acabar tendo um resultado diametralmente oposto ao que queria, como quando você acha um texto tão absurdo que divulga pra todo mundo, as pessoas clicam, o site não quer saber se clicaram porque gostaram ou não, vê aquilo como sucesso, pede mais textos pro autor.

Por isso é cada dia mais importante pensar no conteúdo que compartilhamos por aí. Não apenas por questões óbvias como “será que esse notícia sobre golfinhos russos sendo usados como espiões na série por ordem do Donald Trump é verdade?” mas também porque nem sempre compartilhar é a solução diante de um conteúdo ofensivo, absurdo ou do qual apenas discordamos. Por mais que sejamos apenas mais uma pessoinha na frente de mais um celular em mais uma sala de espera cujo dentista está mais de duas horas atrasado, a soma de tudo isso que produzimos juntos acaba tendo peso e influência no que as outras pessoas veem, sentem e pensam.

E por mais fofo que o gatinho ou cachorrinho seja, ninguém fica exatamente feliz quando descobre que ele trouxe de novo lixo pra dentro de casa e todo mundo tá ficando doente por causa disso.


publicado em 27 de Abril de 2017, 00:00
Selfie casa antiga

João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (www.justwrapped.me/) e discute diariamente os grandes temas - pagode, flamengo, geopolítica contemporânea e modernidade líquida. No Twitter, é o (@joaoluisjr)


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura