A necessidade de ser visto

Esse vídeo correu a Internet nos últimos dias e vale a olhada.

São dois minutos que mostram como uma pessoa interage na sua vida e nas redes sociais, deixando de lado todas as cagadas do cotidiano para evidenciar as coisas boas (mesmo falsas) no seu dia a dia:

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Pelo menos dos comentários que vi sobre o vídeo, foi praticamente consenso apontar o cara como babaca que não mostra seu verdadeiro "eu", em uma quase ovação ao "Vencedor" dos Los Hermanos, que aponta o dedo para o cara que sempre quer vitória

e perde a glória de chorar.

Mas calma lá, você que leva a vida devagar pra não faltar amor.

Nas redes sociais, principalmente, vivemos em tempos de extremismo justamente por ainda não entendermos a ferramenta. Conversando com o amigo Luciano Ribeiro, me intrigou ele dizer duas coisas. Uma delas era como rede chamada "social" é mais usada para se esconder do que efetivamente socializar de modo aberto. Depois, ele afirmou usarmos essas ferramentas como se fossem o nosso mural, com liberdade de colocarmos qualquer coisa que nos seja interessante, mas sempre sabendo que, de quando em quando, alguém vai passar na frente e dar uma olhada.

Nesse contexto, temos a visibilidade.

Mais do que pensar em abertura, as pessoas querem ser vistas e querem credibilidade. Por isso a farra de fotos de viagens e comidas e festas. A linha de raciocínio (não de ato) é bem parecida com o garoto de rua que rouba para comprar um tênis pensando que, com eles, ele vai se tornar alguém, vai -- finalmente -- ser visto.

E aí os extremos. Montamos nosso mural de acordo com o que queremos de credibilidade e nos tornamos em extremos. Somos felizes o tempo todo, ou engajados até o osso, ou então reclamões do primeiro escalão. Aparentemente não há como escapar, justamente por ser difícil abrirmos brechas para um diálogo real e aberto. Nossas opiniões e nossas fotos são o que queremos ser.

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E daí vem o extremo do outro lado.

Quem vê o mural, não o enxerga como um simples mural. Também absorve tudo como se fossem verdades absolutas que se moldam e formam a figura exata da pessoa que as compartilha. Com isso, ficamos com inveja dos felizes porque não conseguimos reparar que suas vidas são tão miseráveis como as nossas, com cotidianos tão fodidos quanto os nossos. Nos sentimos apáticos diante das pessoas engajadas, imaginando que elas são heróicas e fortes todo o tempo, valentes e bravas do momento em que acordam ao segundo que encostam suas cabeças sem fraquezas e dúvidas no travesseiro. Temos asco dos carentes que só postam fotos se si mesmo e falam sobre si mesmos e, mais ainda, fechamos qualquer porta para diálogos com os escrotos que compartilham textos comunistas ou dão opiniões coxinhas e reacionárias.

Sabe aquele "é até bom eu ver quem tá compartilhando isso que é block na certa".

Deixamos de dar chances. Ainda com as palavras do Luciano:

As redes sociais não são essa coisa tridimensional, com cheiros e outras características. Tipo, ela, que é até uma pessoa legal, cara. Ela conversa com você, presta atenção, é chata, mas também é legal, ri...
Ela é um ser humano e tem ruguinhas. E tem marcas na pele.
E, putz... isso é ótimo!

O saudoso Orkut nos dava essa vantagem. O grande trunfo de lá era a falta de uma timeline. Sem ela, havia a necessidade de ser muito mais ativo e visitar o perfil da pessoa e ver suas fotos e as comunidades que ela gostava. Mas isso era pouco. Nascia uma baita curiosidade de estreitamento que, na época, começava com o ICQ ou MSN. Mas disso, ocorria muito mais proximidade entre as pessoas, encontros offline, os famosos namoros e casamentos que começaram na internet (que, hoje, é por demais comum).

Também havia mais espaço, o que ajuda a criar esse clima de extremos. Há uma diferença entre você perguntar de alguém e esse mesmo alguém "invadir sua casa" falando sem parar da vida dela. Espaço que, teoricamente, você deu.

Isso faz com que criemos ódios malucos. Acaba acontecendo uma falta de etiqueta e tolerância que, na vida real, viabiliza praticamente todas as suas amizades. Não que uma conversa com diferença de opiniões não deva acontecer, mas nas tais redes, falta a etiqueta (entrar falando) e a tolerância (de ouvir e não levar a parte pelo todo).

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Ver o vídeo acima e apenas concordar com ele é abrir um abismo imenso com praticamente todo mundo, o oposto do que deveria acontecer com "a conectividade moderna que junta o mundo todo na palma da sua mão".

Nota do editor: as fotos são do fotógrafo alemão Martin Klimas.


publicado em 29 de Junho de 2014, 21:00
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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