Guia prático: como criar um grupo de pais?

Essa é uma versão bem resumida, focada em aspectos básicos para começar já os primeiros encontros

Nota editorial: esse texto foi escrito colaborativamente para a rede das mais de 100 pessoas voluntárias da sexta edição de nosso evento atual sobre as transformações da paternidade, o PAI 2022 – co-produzido com os projetos Pais Pretos e Homem Paterno. Aqui a íntegra das lindas falas e mesas do dia 1 e do dia 2.

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Pessoas voluntárias do PAI 2022, esse é um guia rápido para incentivar o surgimento de grupos de pais por todo o Brasil. Sonhamos com o dia em que haverá ao menos um desses em cada um dos 5570 municípios do país, unidos em prol da transformação. Nos últimos cinco anos há cada vez mais iniciativas assim surgindo por todo canto!

O que é um grupo reflexivo de pais

Foto da primeira edição do PAI

É uma rede de afeto, crescimento mútuo e responsabilização, formada por pais dispostos. Na prática, é um grupo de amigos e conhecidos nutrindo um objetivo em comum: refletir sobre a paternidade e transformar como agem no dia a dia. Os encontros são regulares, envolvendo conversas, vivências e práticas.

Com o tempo se torna uma rede de afeto, pois entramos em contato com emoções profundas e criamos espaço para que os outros possam expressá-las também. Por meio da troca de conhecimentos, informações e experiências, vem o crescimento mútuo. 

Todos assumem o compromisso de olhar para nosso papel como homens e pais na construção de uma sociedade pautada por paternidades presentes, amorosas e responsáveis. Que seja livre de visões preconceituosas que agridem e matam, como machismo, racismo, homofobia e capacitismo.

Em essência, estamos falando de um espaço de confiança e respeito, no qual podemos falar de nossas questões mais profundas de maneira aberta, dialogando com empatia.

Nesse processo, cada grupo acaba desenvolvendo sua identidade. Terá um nome, regras de convivência, assuntos, uma dinâmica própria e funcionamento adaptado aos desafios, dores e anseios das pessoas participantes. Um grupo de pais pretos enfrenta questões que pais brancos ou indígenas talvez desconheçam. Um grupo de pais do interior tem questões diferentes daqueles nas grandes cidades. Assim como os pais que vivem na periferia enfrentam desafios distintos dos pais executivos. Pais com filhas ou filhos pretos, asiáticos ou indígenas, podem ter um foco mais acentuado em como proteger suas crianças do racismo que ainda está presente, enquanto pais brancos podem estar pensando em como começar uma educação antirracista dentro de suas casas. Pais com deficiência, pais sócio afetivos, pais trans… toda essa diversidade é maravilhosa! Há grupos nos quais ela se mistura e outros nos quais os participantes tendem a compartilhar marcadores sociais. Todos os formatos são bem-vindos e cada um possui particularidades. 

Nosso desejo é que cada vez mais grupos possam nascer e seguir vivos por anos (alguns possuem décadas de existência), beneficiando famílias em todas as regiões do país.

A seguir listamos alguns pontos práticos para te motivar e ajudar a realizar os primeiros encontros. Mãos à obra?

Humberto Baltar conduzindo roda presencial do Pais Pretos 

1. Qual sua real motivação?

Vontade sincera de refletir, melhorar e aprender, com humildade e paciência, costumam ser uma ótima base. Criar um grupo é um ato de serviço, é uma semente que plantamos para o coletivo, não é um espaço para inflar nosso próprio ego.

Um grupo de pais não deve ser um local para propagar padrões machistas, crenças raivosas ou preconceituosas. 

2. Identificar dores em comum

Quais os maiores desafios que você enfrenta hoje, como pai? Quais os maiores desafios que as mães com quem você convive enfrentam? Quando olhamos para as estruturas e padrões sociais, quais desafios atravessam as paternidades e maternidades em nosso país? As respostas para essas perguntas não são óbvias. Conversar com pessoas próximas e registrar o que escutar em um caderno ou documento online pode ser uma ótima maneira de localizar os temas iniciais do encontro. 

Uma prática central é escutar mães e mulheres com frequência, para nos lembrarmos sempre de quem está carregando a carga mais pesada. Com essa clareza, precisamos pensar as mudanças propostas no grupo calibrando as necessidades paternas com as demandas maternas.

3. Agregar pessoas que compartilhem dessas dores e da necessidade de falar sobre elas

Caso consiga localizar mais interessados no tema e realizar um encontro com pelo menos cinco ou mais pessoas presentes, excelente! Mas saiba que duas ou três pessoas genuinamente motivadas e dispostas já são o suficiente para iniciar um grupo. 

A qualidade e continuidade dos encontros vão naturalmente puxar mais gente para perto. Não tenha vergonha de falar com outras pessoas sobre o grupo e colocar energia na divulgação boca a boca. Mesmo que os encontros iniciais possam parecer desconfortáveis ou estranhos, persista.

Não existe mudança sem desconforto. Há encontros nos quais as pessoas saem felizes e dando risadas. Em outros elas saem cabisbaixas e envergonhadas. É tudo parte do processo. Siga adiante e se não souber como lidar com algo, entre em contato com nosso grupo de voluntários. É bem provável que alguém já tenha passado por algo semelhante e possa te ajudar.

4. Uma rede precisa começar enquanto rede – evite ser “o dono da bola”

Uma pessoa sozinha não dá conta da manutenção de uma rede de apoio, seja virtual ou presencial. Pensem na proposta e intenção do grupo em conjunto, por meio de diálogos nos quais todo mundo possa expor suas visões. É melhor que o grupo seja do coletivo e não que tenha um dono ou dona.

Cultivar o senso de comunidade e encorajar que as pessoas possam contribuir para o amadurecimento do grupo são boas práticas. Envolver as pessoas desse modo traz mais pertencimento, diferentes ideias e alivia o peso da responsabilidade de organização.

Juntamos os interessados: por onde começamos?

Roda presencial do Pais Pretos

5. Pense coletivamente as regras de convivência e funcionamento do grupo

Regras comuns de convivência e funcionamento podem incluir aspectos como:

  • cultivar um espaço de reflexão, abertura e respeito, no qual as pessoas também possam expressar pontos de vista discordantes

  • buscar falar em primeira pessoa (eu sinto isso, eu vivi aquilo, eu vejo desse modo…) ao invés de generalizar ou usar terceira pessoa (a gente isso, a gente aquilo, todo mundo é assim ou assado…)

  • cultivar uma escuta atenta e empática enquanto outras pessoas falam

  • evitar interromper as outras pessoas antes delas terminarem seus relatos

  • ser cuidadoso com o tempo e não monopolizar a fala, para que todo mundo tenha chance de contribuir, inclusive as pessoas mais tímidas

  • se quiser dar sugestões ou conselhos para outras pessoas, perguntar antes se elas querem receber esse tipo de fala – muitas vezes uma maneira mais poderosa de acolher é oferecer o espaço para que um problema seja compartilhado sem que haja obrigação de ser “resolvido”

  • se você quiser escutar sugestões e conselhos, peça por isso explicitamente

  • evitar chegar atrasado e sair no meio do encontro

  • ajudar a arrumar e limpar o espaço na chegada e na saída, caso o encontro seja presencial

Se o encontro for online, cabem outros cuidados. Por exemplo, abrir a câmera (se possível) e deixar outras abas do computador fechadas. Fazer um esforço para pensar em perguntas interessantes, que envolvam todo o grupo. Convidar quem está falando menos para se manifestar, assim como gentilmente avisar alguém que esteja monopolizando a fala para ceder espaço a outras pessoas. Considerar dinâmicas em que a maioria possa dar sua contribuição, evitando que o encontro online se torne um podcast feito por uns e escutado por outros.

A lista não tem fim. É importante que o grupo dialogue para estabelecer as regras e boas práticas que façam sentido para o contexto em que estão. Não chegue com tudo isso pronto, a fase de escuta coletiva é essencial. E elas podem ser alteradas sempre que necessário, claro.

6. Experimentar com diferentes formatos de reflexão e aprendizagem

Adotar uma linguagem que abrace a maior diversidade de estilos de aprendizagem é uma ótima prática. Usar vídeos, dinâmicas, leituras, encontros ao ar livre, encontros na natureza, análise de músicas… todos podem ser ferramentas de trabalho em grupo.

Algo que recomendamos evitar é misturar os encontros com álcool. Homens já estão acostumados demais a ter cerveja como muleta para não enfrentar suas emoções. Aqui a proposta é treinarmos a capacidade de falar e nos expressar sóbrios, olho a olho, ombro a ombro.

7. Tornar os encontros acolhedores, afetuosos e inclusivos

Roda do projeto Homem Paterno

O local do encontro possui rampas de acesso? Se houver participantes com deficiência visual ou auditiva, como serão incluídos? As pessoas conseguem chegar no local do encontro com facilidade? O encontro acaba em um horário no qual o transporte público já parou de circular, obrigando os participantes a pagarem caro por táxi? Caso as pessoas cheguem direto do trabalho e cansadas, haverá lanches, sucos e um cafézinho para que se sintam acolhidas e energizadas? Se o tema do encontro for um artigo, há cópias impressas do texto pro pessoal ler? Há canetas e papel para servir de suporte para anotações? São detalhes que valem ser pensados. 

Além de tudo isso, se familiarizar com aspectos como linguagem de libras, braile e audiodescrição nas falas também é uma boa ideia.

Com o tempo tudo isso vai ficando automático. Entretanto, no começo o lema “feito é melhor que perfeito” resolve bem.

8. Estabelecer a frequência dos encontros, formato (online/presencial) e as pautas regulares

Regularidade é chave. Se houver menos de um encontro por mês, fica bem difícil criar um senso de comunidade. Reuniões semanais ou quinzenais tendem a funcionar bem. Encontrem uma data, local e horário que facilitem a vida dos participantes. 

O formato pode ser presencial ou online. Alguns grupos presenciais permitem, em caráter de exceção, que participantes possam acompanhar online caso não possam estar juntos fisicamente por conta de algum problema.

Recomendamos pensar o tema de cada encontro com antecedência, se possível. Pautas podem incluir:

  • notícias recentes

  • um desafio sendo vivido por uma ou mais pessoas do grupo

  • uma questão que mexa com as pessoas do grupo 

  • artigos, filmes, séries, livros e podcasts

9. Como o grupo vai se comunicar digitalmente?

Um grupo no whatsapp ou telegram costuma resolver bem. Escolham o que fizer mais sentido para vocês.

Lembrete. É chave estabelecer regras de convivência para o ambiente digital do grupo.

Regras comuns incluem: comunicação respeitosa, nunca agredir ou ofender, não divulgar produtos ou serviços, não divulgar correntes, evitar mensagens em excesso. 

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Mensagem final: você não precisa de treinamentos especiais ou doutorados para começar. Basta disposição, coração aberto e vontade de aprender. Se estiver na dúvida, siga adiante. Crie ou se junte a um grupo de pais. Atuamos nesse campo há muitos anos e temos a certeza do quão revolucionárias são essas redes de apoio! E lembre-se, você não está sozinho, estamos aqui para te ajudar sempre que necessário. Nos vemos pela estrada.

Para aprofundar, recomendamos os seguintes materiais:


publicado em 29 de Agosto de 2022, 18:40
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Guilherme Nascimento Valadares

Editor-chefe do PapodeHomem, co-fundador d'o lugar. Membro do Comitê #ElesporElas, da ONU Mulheres. Professor do programa CEB (Cultivating Emotional Balance). Oferece cursos de equilíbrio emocional.


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