O que o rap nacional já te ensinou? Para esse negro americano, o português

Enquanto muitos desprezam o rap nacional e sua mensagem, esse rapper americano aprendeu português com ele

Racionais, em um de seus versos mais conhecidos, define cada favelado como um universo em crise.

Da ponte pra cá, dos Racionais Mc’s e clássico do rap

Não é preciso um olhar profundo para entender o porquê, e ainda que o cenário social hoje seja muito diferente da época em que tal verso foi escrito, algumas coisas não mudaram: a desigualdade, a repressão por parte de entidades do Estado e a marginalização de grande parte da população que vive na periferia.

Mas na década de 1990 o fosso social era muito maior. E o rap surge nesse contexto não apenas como escape da realidade, mas como representação dela e voz daqueles que nunca possuíram uma.

O rap da década de 1990 e início dos anos 2000 pode nos ensinar mais sobre uma grande parcela da nossa sociedade que qualquer livro de história. Porque é o relato visceral daqueles que viveram, na maioria das vezes, a realidade que cantam.

Para muitas pessoas que não se sentiam representadas nas canções, o rap se tornou o som de favelado, de preto e de bandido, sem qualidade e restrito às favelas. E mesmo hoje, com o gênero alcançando os meios de comunicação e os locais que antes o ignoravam, o estigma continua.

Mas essa noção não é compartilhada por todos. Para Jordan Fields, rapper norte americano conhecido como BiXop, o rap nacional serve não só como preferência musical, mas também como escola. Por gostar e conhecer cada vez mais das canções aqui produzidas, ele tomou uma decisão no mínimo atípica: aprender português escutando rap brasileiro.

Hoje, ele lança vídeos no Youtube cantando clássicos do gênero misturados a imagens da região que vive, New Jersey, para mostrar que as coisas não são tão diferentes assim.

 

No vídeo acima, ele interpreta O trem, do RZO, enquanto se desenrolam cenas de sua cidade e do sistema ferroviário, com o objetivo de mostrar que lá as coisas também não são tão bonitas.

Na descrição do vídeo, BiXop explica um pouco suas motivações:

“Eu aprendi Português escutando RAP Brasileiro... Eu gravo esses videos para praticar o meu sotaque e. Também para mostrar nosso sistema do trem aqui na costa leste dos EU. Também quero mostrar nossas periferias aqui. Muitas pessoas de Brasil, e outros paises acham que aqui é um grande paraíso......mas para os negros não é........Assim que é!!”

BiXop, que também se intitula Negro Americano, também já gravou outros clássicos, como a emocionante Desculpa Mãe, do Facção Central.

 

Passada a curiosidade inicial e a surpresa pela boa dicção de BiXop no nosso idioma, foi impossível não refletir: se o gênero pode fazer sentido e trazer identificação para alguém do outro lado das Américas, como pode ser alvo de preconceito e desprezo daqueles que convivem diretamente com essa realidade representada?

O rap para mim é, acima de tudo, um excelente exercício de empatia.

Como apreciador do gênero, por diversas vezes já me peguei escutando canções que, falando dos rolês cheio de maconha ou da sensação de estar preso, não representam nada que vivi. E, em grande parte das vezes, saí com a impressão de que conhecia mais o mundo e o outro do que quando comecei a escutar a faixa.

Hoje o rap nacional cresceu e aborda diversos temas, atingindo pessoas das mais diferentes classes sem se restringir aos relatos das dificuldades das periferias. Mas o preconceito, para muitos, permanece. E já passou da hora disso mudar.

Pelos seus versos diretos e narrativa linear, o estilo tem um poder de transformação e reflexão maior do que a grande maioria dos gêneros. É música para dançar e se divertir, mas também é mais do que isso. É música para aprender e se empoderar, como BiXop fez.

E você, o que já aprendeu com rap?

Para conhecer mais do rap nacional


publicado em 18 de Março de 2016, 19:24
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Bruno Pinho

Estagiário do PapodeHomem e estudante de jornalismo.


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