Você já parou para pensar qual a influência que a relação com a sua mãe exerce sobre sua identidade como homem?
"Eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim..."?
Todo homem que busca transformação pessoal, que quer ser um sujeito melhor, mais completo, não pode se desviar de um processo profundo de autoconhecimento. Para isso é preciso olhar para sua própria história, aprender com ela.
Existe a ilusão de que nos conhecemos bem e de que é possível responder, facilmente, o que guia nossos comportamentos.
Mas, até para quem já está bastante familiarizado com a ideia de que masculino e feminino são conceitos socialmente construídos, que não existem independentes do contexto em que estão inseridos, é difícil analisar e compreender o peso desses conceitos na própria vida.
A impressão é que somos aquilo que somos e que não há um jeito muito diferente de fazer as coisas, além daquele que já desempenhamos no dia a dia.
Somos o oposto do que não somos
“O que é ser homem para você?”, esta é uma pergunta complicada de responder.
É difícil definir os próprios comportamentos e acabamos preferindo dizer sobre o que nos tiraria o direito de se dizer homem. Mesmo que nem sempre seja dito de forma explícita, para muita gente, ser homem é o ato de ‘não ser mulher’.
A ideia de oposição das formas de agir e características é muito presente na nossa compreensão da realidade. Entendemos que, se somos uma coisa ou agimos de uma determinada maneira, não podemos ser ou agir na forma oposta a essa que definimos como nossa.
Só seria possível carregar uma característica por vez e o seu oposto ficaria impossibilitado de coexistir numa mesma pessoa.
A verdade é que a formação da individualidade é construída, justamente, na relação dos opostos que se contradizem, mas que também se completam. Todo homem e toda mulher carrega dentro de si as características que definem suas identidades, mas, também, que definem o seu oposto.
No caso da relação masculino e feminino, podemos observar como isso é forte desde a primeira infância. Pouco a pouco vai se construindo uma definição de quais atividades são de meninos e quais são de meninas.
Mesmo que não seja dito com todas as letras, a criança percebe nas relações próximas que existe uma diferença de comportamentos e vai buscando adquirir alguns deles para si, enquanto outros são deixados de lado e, até mesmo, tratados como tabu.
É a partir da observação dessas relações que a psicologia estabelece teorias de como as relações parentais influenciam a formação psicológica dos indivíduos. A família como primeiro contato que temos com o mundo, marca profundamente a forma que entenderemos tudo aquilo que virá depois.
A influência de quem nos criou:
A relação que o homem tem com a mãe reverbera na forma que ele entende o que é e como ele acredita que age o sexo feminino. Essa imagem materna fará parte dos movimentos psíquicos do sujeito, produzindo desdobramentos sobre o que ele procura nas suas relações com outras mulheres e na forma como se apresenta e se define como homem.
Uma criança, por exemplo, que não se sente protegida por sua mãe, pode se tornar um homem desconfiado de sua esposa no futuro. Fazendo testes e exigindo provas de amor e fidelidade a todo momento.
Um homem que não consegue se desligar da relação com uma mãe de presença muito forte, pode passar a vida pulando de relacionamento em relacionamento, uma vez que não consegue encontrar no amor real aquele ideal do “amor só de mãe” que ficou incutido em seu inconsciente.
[Estas relações não são matemáticas e nem determinantes, ter passado por 'x' não te aprisiona a agir de maneira 'y'. Olhar para o passado e entender possibilidades de causas e consequências é, inclusive, um importante passo para conseguir formular sua trajetória com mais autonomia]
É importante dizer que não se trata, apenas, da relação afetivo-sexual com o mundo feminino, mas de toda a representação sobre esse universo.
A experiência materna infantil marca a forma que o homem entenderá o sexo oposto como um todo e pode se projetar na namorada ou esposa, mas também na colega de trabalho ou qualquer outra relação feminina.
Não é pouco comum que alguns homens, frente a mulheres com posições de poder e destaque, acabem agindo com comportamento infantil próximo a elas, exigindo uma postura maternal de uma mulher em cargo superior no trabalho.
Perceber onde somos influenciados por essas impressões que foram construídas na relação materna, possibilita conhecer mais sobre si e protege de cair em algumas armadilhas psicológicas.
Se fizer um pequeno esforço, se lembrará de pelo menos uma vez que se perguntou como sua mãe se sentiria se você tomasse determinada decisão e acabou sendo influenciado por isso, mesmo que ela não tivesse nada a ver com o assunto.
É impressionante quantos desejos que parecem bastante individuais, mas são, na verdade, expectativas de nossos pais que carregamos intimamente.
O intuito desse texto é trazer algumas perguntas (que eu mesmo utilizo na minha atividade como psicoterapeuta), para que possam ajudar a pensar mais sobre essa relação e como ela nos influencia por toda a vida. São algumas perguntas preliminares, mas que podem se desdobrar em várias outras, dependendo das respostas e das necessidades de cada um.
Para começar a pensar sobre essas questões é bom que se tire um pequeno tempo de dedicação e reflexão. Deixe de lado outras tarefas e tente um breve relaxamento da sua atenção. Não existem respostas certas ou erradas. O importante é deixar que as impressões surjam da forma mais espontânea e tranquila que conseguir.
Um exercício para refletir:
1.Quais as primeiras lembranças que você tem da sua mãe?
Para essa primeira pergunta, a resposta pode ser em imagem, sensação, som ou qualquer outro tipo de impressão. Não precisa ser a memória mais antiga, mas aquela que primeiro surge na sua lembrança agora.
Não é necessário traduzir essas lembranças em conceitos racionais, claros ou lógicos. Fique apenas com a imagem. Aos poucos vamos somando as informações das outras respostas.
2. Como você define a relação com a sua mãe?
É uma boa relação? Difícil? Agradável? Dependente? De abandono? Ciumenta?
Obviamente não é muito fácil definir uma relação complexa como a de mãe e filho em apenas algumas poucas palavras, mas é bom que se tente buscar na mente quais são as emoções que mais surgem quando você se pergunta sobre essa relação. Perceba o que vem de mais forte, o que fica mais evidente.
3. Como você fazia para chamar a atenção dela?
Os filhos buscam a atenção dos pais e precisam demonstrar seus desejos mesmo quando ainda não possuem palavras para dizerem o que precisam. Nossa primeira linguagem é o choro e depois vamos criando outros tipos de sinais e expressões sobre nossas vontades.
Quando você queria algo de sua mãe, como você fazia na infância? Era do tipo de criança que exige e faz birra? Tinha medo de dizer sobre as próprias vontades? Era cheia de travessuras na esperança de ganhar um pouco de atenção? E hoje, como você faz? E ela, como [co]responde?
4. Você sente que foi suprido de carinho por ela?
Pense naquele momento que precisou de colo. Que estava triste, com medo ou apenas precisando de um abraço que te fizesse sentir protegido, amado. Você sente que teve o que precisava dela?Quais memórias surgem para você? Pode ser que você se lembre de momentos bons e outros em que se percebeu abandonado no seu desejo. Como você se sentiu em um e outro? A atenção dela te faz se sentir querido? Tranquilo? Poderoso? E os momentos em que não foi atendido? Sentiu tristeza? Raiva? Indiferença?
5. De que forma sua mãe exerce autoridade sobre você?
Mães possuem autoridade sobre seus filhos. Mesmo nas relações carinhosas e cheias de afeto, a criança percebe que o poder materno é grande e que para manter a relação de cuidados e proteção é bom que se acate algumas das ordens e desejos maternos. Aprendemos isso na infância e carregamos por nossa vida.
De qual forma sua mãe transmitia e, ainda hoje, transmite seus desejos? Ela é clara sobre o que quer? Fica fazendo enigmas e espera que você descubra o que ela deseja? Aposta em fazer chantagens? É passivo-agressiva? Tenta dominar cada passo seu?
6. Como você age quando precisa ir contra as vontades dela?
As mães possuem poder sobre os filhos e estes buscam formas de desobedecê-las e vão, assim, construindo independência e individualidade. Faz parte da formação de cada um. Como se deu a sua?
Quando você vai contra as expectativas da sua mãe, como você se sente? Ameaçado? Culpado? Tranquilo? Com medo de ser punido? Age com revolta? Tenta compensar uma desobediência com alguma outra coisa?
7. Como estas emoções são sentidas na relação com outras mulheres?
Digamos que você tenha percebido que lhe faltou carinho na relação com a sua mãe. Hoje você sente necessidade em suprir essa falta nas suas relações amorosas? Ou criou um tipo de independência que te afasta das pessoas?
Você sente que sua mãe interfere muito na sua vida ainda hoje? Se sim, por qual motivo você permite que exerça todo esse poder sobre si? Como isso gera impacto nas suas relações?Você confia nas mulheres? Acredita que elas possuem a mesma capacidade que você? E como essa relação se dava entre os seus pais?
8. O quanto você se parece com ela?
Você aprendeu muitas coisas com sua mãe e, por isso, adquiriu várias características dela na sua personalidade e no seu comportamento. São muitas as áreas que você age como ela? Quais são elas? Você acha bom ter essas semelhanças?
Naquilo que vocês não se parecem. Existem alguns comportamentos que você admira e gostaria de ter? Você abomina alguns deles? Se sente irritado ao percebê-los nas atitudes dela ou em outras pessoas que vivem próximas a você?
9. Por fim, o que tudo isso pode dizer de você e sua masculinidade?
Eu sei que todas essas perguntas podem trazer mais confusão sobre si mesmo e tantos outros questionamentos, que até parece ser impossível tirar alguma conclusão disso tudo… mas não se preocupe, o começo é assim mesmo.
Esse método (c0m o qual eu trabalho) é um estímulo à reflexão aberta e não tem um caminho pré-definido. Cada um tira dessas perguntas o que mais precisar e constrói suas ideias e descobertas.
Outra coisa, tente não ser direto demais essa análise, buscando culpados e dívidas que devem ser pagas.
O movimento de ir ao passado não é para definir que estamos amaldiçoados e sem perspectivas de mudança. A pergunta não é sobre o que nós somos, mas, a partir do que somos, quem podemos nos transformar.
Por último, caso queira, pode trabalhar essas perguntas através de um processo um pouco mais concreto, escrevendo as respostas em uma folha. Muitas vezes, o que parece confuso num primeiro momento, pode ser melhor compreendido alguns dias depois quando re-lido. Pode ser interessante.
Antes de terminar, quero deixar claro que não precisa ter medo de se questionar sobre suas observações.
Talvez algumas respostas possam provocar vergonha ou culpa… e tudo bem. O processo de autotransformação começa pela arrumação da casa. É normal encontrar muito lixo escondido pelos cantos.
E aí, o que você conseguiu perceber? Compartilha aqui nos comentários e quem sabe podemos ampliar nossas impressões através de uma boa conversa!
publicado em 15 de Dezembro de 2020, 06:00