Sofrer faz parte, e faz bem.

A dor surgirá em alguns momentos da vida. Não dá para fugir eternamente… a única saída é revisar e aprender com ela.

Quando alguém descobre que sou psicólogo, é muito comum que a pessoa tenha uma destas duas atitudes: ou ela fica com medo que eu passe a analisar seus comportamentos, ou começa a contar alguns detalhes de sua vida que, normalmente, não contaria para uma pessoa que acabou de conhecer.

Em qualquer um dos casos, isso acontece porque existe uma ideia muito difundida de que o psicólogo tem alguns superpoderes. Dentre eles, a capacidade de ler mentes ou de propor soluções fenomenais para problemas muito complicados. 

Nada disso é verdade, mas esse tipo de fantasia dá abertura para que as pessoas falem ou demonstrem suas impressões sobre a vida e, nestes casos, muitos detalhes de nossa cultura psicológica ficam explícitos nas entrelinhas do que está sendo dito.

Uma vez, um sujeito que acreditava nos meus superpoderes psíquicos, pediu para que eu o ajudasse em uma situação. Ele contou sobre uma amiga que havia ficado viúva há pouco tempo. Ela estava muito triste, chorando muito. Segundo ele, eu deveria conversar com a viúva e acabar com sua tristeza... Ele supôs que este seria o meu trabalho.

Perceba bem: a mulher havia ficado viúva… amava seu marido… e não tinha direito de sofrer por isso?

Nossa cultura tem sido incapaz de lidar com o sofrimento. A vida tem que continuar rapidamente, não existe tempo para lidar com as coisas que perdemos, com os sentimentos que nos deprimem. 

Arte por @derrickbellart

Por isso tanta gente aposta em remédios psiquiátricos: ansiolíticos e antidepressivos são tratados como simples anestésicos e vários processos psicoterápicos têm aberto mão da tarefa de elaborar a dor dos momentos de crise, apostando, apenas, no ajustamento social de quem sofre. 

Temos uma epidemia de casos de depressão. É raro encontrar uma pessoa adulta que não conheça alguém que já sofreu ou sofre de depressão. O número de pessoas que lidam com o problema no Brasil chega a 5,8% da população, de acordo com Organização Mundial de Saúde. Apesar da imagem de um povo alegre, somos o país com o maior número de casos de depressão na América Latina.

Nos últimos anos, surgiram campanhas de apoio a quem sofre psicologicamente. Estamos falando sobre depressão, ansiedade e suicídio. Tudo isso é importante, no entanto, ainda nos mantemos a uma distância bem segura das emoções que dão tonalidade às dores profundas que todos nós carregamos, ou carregaremos, em algum momento de nossas vidas. 

Em momentos de dor, a maior parte do que se vê são conselhos bem-intencionados, mas cheios de eufemismos e clichês. A proposta deste conselhos não capta a dor e o sofrimento que existe no mundo de quem passa pelo período de uma “noite escura da alma”.

É comum que as pessoas acreditem que o pensamento positivo, ou a busca (a todo custo!) por um sentido escondido nos momentos difíceis, são as formas mais eficazes de ajudar. Não é bem assim.

Em todos meus anos de trabalho na clínica, vi, em número bem maior, pessoas encontrarem o conforto que necessitavam quando encaravam o fato de que o mundo não é um lugar legal, e que a dor é algo inevitável. A dor surgirá em alguns momentos da vida. Não dá para fugir eternamente… a única saída é revisar e aprender.

A casa em que está meu consultório hoje, é herança da minha família. Essa mesma casa abrigou momentos que vivi na minha infância e juventude. Muitos deles foram felizes, mas, como sou de uma cidade no interior de Minas Gerais, já vivenciei, até mesmo, o velório de um ente querido nesse mesmo espaço. A alegria e a dor coexistem nas memórias e essa mistura [não tenho dúvidas] transforma minha identidade e meu trabalho como psicólogo em algo mais profundo e complexo.

Isso não significa entregar-se ao desespero, não é um convite masoquista. Ter contato com o luto — seja ele causado pela morte de alguém, pelo término de um relacionamento ou pela perda de um emprego — traz consciência e poder sobre si mesmo. Fortalece uma condição psicológica saudável. Mantê-lo escondido, ou negá-lo, cria um monstro dentro si que, no futuro, não teremos capacidade de controlar.

Perceber que dificuldades são inerentes à vida traz alívio. Ter proximidade com as derrotas humanas dá a sensação de que não estamos sozinhos e isso tira o peso da responsabilidade de estar sempre bem, vitorioso ou contente. Assim, constatamos que não somos os únicos no mundo que se sentem entediados, tristes, invejosos, maus ou covardes. Essa compreensão abre espaço para o autocuidado e nos permite sentir compaixão por nossas fraquezas.

Arte por: @mwana.wevhu

Observe ao seu redor. Perceba seus amigos ou familiares. É muito provável que você encontre vários deles passando por alguma situação difícil. Pode ser alguém que perdeu um emprego, ou uma amiga que ficou viúva recentemente… pode ser você mesmo, passando por uma crise no relacionamento.

Não tente acabar com a dor, converse com ela — sim, fale com a dor! Pergunte o que todo esse sofrimento diz sobre a vida, sobre si mesmo, sobre o que é importante no mundo. Eu sempre alerto meus clientes: “tente não fugir das emoções no momento de crise, este é um momento rico e transformador.” 

Os momentos difíceis nos tornam mais sensíveis e estimulam o autoconhecimento e a imaginação de tal forma que somos capazes de perceber detalhes de nosso mundo interior que, normalmente, seriam ignorados. Não jogue a oportunidade fora.

E se você for oferecer conforto a alguém, antes de dizer que tudo ficará bem, temos que dar espaço e permissão para sofrermos com dignidade.

E você? Com lida como com as dores e tristezas? Consegue se lembrar de alguma vez que aceitar o sofrimento te ajudou num momento difícil?


publicado em 24 de Setembro de 2019, 06:05
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Marcelo Marchiori

Marcelo Marchiori é psicólogo clínico, especialista em imaginação ativa e interpretação de sonhos. Toda quinta apresenta uma palestra online sobre psicologia e pode ser seguido por seu perfil do Facebook e Instagram .


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