Do que os homens andam sentindo falta

O encontro "23 dias para um homem melhor" nos deu algumas boas pistas

Dia desses escutei de uma mulher a história do ex-namorado que passou um ano desempregado enquanto estavam juntos.

A dificuldade encarada com tranquilidade no começo logo se tornou um peso. Pouco a pouco ele passou a frequentar menos ocasiões sociais, por vergonha. Ela ligava para os amigos e pedia para ajudarem o parceiro. Eles diziam que não sabiam bem o que fazer ou falar.

Assim eram os diálogos mais comuns entre o ex-namorado e os amigos, pelo telefone:

– E aí?

– Fala, cuzão.

– Churras no findi?

– Churras.

Não estou falando de adolescentes, mas sim de homens feitos, já pais de crianças.

* * *

Há algumas semanas, em uma palestra sobre o masculino [se tiver interesse em uma, fale com a gente], escutei a pergunta: 

"O que os homens querem? Qual o problema a ser resolvido?"

A pergunta é pra lá de ampla, mas cravo um desses problemas com tranquilidade.

Muitos homens estão carentes de parcerias profundas com outros homens. 

Sobram parceiros de balada, trabalho, futebol, viagem, paquera, buteco, happy hour. 

Faltam parceiros que saibam realmente te acolher, nutrir, cuidar, escutar e apoiar quando está desempregado, hospitalizado, em crise, divorciado, na lona, se sentindo pior do que o excremento do cavalo do bandido. São escassos os parceiros que se alegram de verdade com seus avanços – não estou falando de dar parabéns ou fingir entusiasmo quando o real sentimento está mais pra inveja ou condescendência. 

Não é comum aquela parceria em que se encoraja os processos sutis de transformação do outro, em que evitamos solidificar e congelar o amigo baseado em eventos ou fantasmas do passado, sob a guisa de que é tudo brincadeira inofensiva.

Essa relação de que falo e anda em falta no mercado é pautada pelo exercício de se lembrar de enxergar teu camarada com frescor quando achar que o conhece de ponta a ponta, por saber que é um sujeito tão amplo como qualquer outra pessoa, de infinito potencial, bem além do que ele mesmo imagina e do que o próprio histórico da amizade entre vocês indica. 

Há amizades de anos, inquestionáveis, que são péssimas parcerias. 

Uma pessoa pode estar presente nos grandes momentos de sua vida e dividir copo toda semana, ao mesmo tempo em que o trava ou desmoraliza, sem contribuir em nada com seu crescimento, ajudando a manter uma visão estreita e limitada de si mesmo.

"A arte do companheirismo em nossa cultura é subdesenvolvida por exigir tempo, disposição para atravessar crises, eventualmente irritar a parceira do amigo, ignorar comentários maliciosos sobre a sexualidade de ambos e uma maturidade e competência social que não é culturalmente reconhecida ou recompensada do mesmo modo que, por exemplo, o casamento é."

O parágrafo acima foi extraído do excelente livro "Hazards of being male" ("Perigos de ser homem", em tradução livre), publicado na década de 70 pelo psicólogo Herb Goldberg. Ele dedica todo o nono capítulo a um certo tipo de companheirismo, no qual "um facilita e desfruta de profunda satisfação com os sucessos e conquistas do outro". 

Essa definição bonita coincide um bocado com o que Gustavo Gitti entende por parceria:

"Uma parceria pode ser assim definida: o movimento de um favorece o movimento do outro pela vida. A relação promove um avanço que ultrapassa sua redoma, invade todos os âmbitos, como quando uma mulher ajuda o marido a se alimentar melhor ou quando o sócio da empresa dá instruções de meditação para outros sócios que desejam ser menos ansiosos."

Segundo Herb, essas relações eram incomuns em sua época. Acredito que seguem sendo.

Você pode pensar que se trata de algo específico dos norte-americanos, esse povo frio; ou então um lance de gerações passadas, dos seus pais ou avôs. 

Mas creio que não – palpito não ser algo exclusivo do gênero masculino, inclusive.

Há três semanas realizamos o encontro "23 dias para um homem melhor" na sede do PdH, para conversarmos sobre o projeto. Em plena sexta à noite chuvosa, trinta e seis pessoas vieram (se bem me lembro, oito mulheres). 

Registro ao final do encontro, por Ana Higa – sim, foi todo mundo embora com vontade de mais

Conversamos, alongamos nossos corpos, fizemos uma pequena meditação e em seguida uma dinâmica de grupo chamada "World Cafe", por meio da qual descobrimos alguns dos principais obstáculos que surgiram para cada um ao longo do projeto.

Ao sentarmos em roda, tivemos uma conversa de coração aberto na qual descobrimos as duas práticas que mais tocaram a todos, dentre as vinte e três propostas

Disparado, foram a "Cultive mais auto-compaixão ao invés de mais auto-estima" e, adivinharam, a "Cultive relações de parceria".

Achei de um significado tremendo a busca por parcerias estar na frente de práticas mais concretas como "Seja mais produtivo usando seu próprio método", "Monte um guarda-roupa básico e matador" e "Faça um planejamento financeiro que realmente funcione". 

Sinal de que os homens, na década de 70 e hoje, nos Estados Unidos e no Brasil, seguem em busca de relações mais acolhedoras e satisfatórias. Taí algo interessante pra se conversar no próximo churras.


Homens possíveis é uma coluna quinzenal, sai sempre aos domingos.


Nota: vocês gostariam de ver mais iniciativas e encontros como o "23 dias para um homem melhor" acontecendo? Caso sim, por favor se manifestem com suas críticas e sugestões! 

Esse ano grande parte de nosso foco é aquecer a comunidade, precisamos escutar vocês – sim, estamos falando também com você aí, acostumado a ler o PdH em silêncio e quase nunca comentar. =]


publicado em 30 de Março de 2015, 00:31
File

Guilherme Nascimento Valadares

Editor-chefe do PapodeHomem, co-fundador d'o lugar. Membro do Comitê #ElesporElas, da ONU Mulheres. Professor do programa CEB (Cultivating Emotional Balance). Oferece cursos de equilíbrio emocional.


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