"Olá, Fred!
Não estou gostando do rumo que estou dando à minha vida. Não gosto do meu emprego (razoavelmente bom, considerando minha idade de 20 anos) e passei 3 anos da minha vida investindo tempo, dinheiro e esforços em um curso universitário do qual eu não gosto (e que me formarei no final desse ano) totalizando 4 anos de estudos.
Nunca tive uma ideia bem definida do que queria ser 'quando eu crescer' e francamente eu ainda não tenho. Eu apenas sei o que eu não quero ser, isso inclui minha vida atual.
Minha pergunta é a seguinte: tem como eu encontrar algo que me motive sem que eu passe por mais outras experiências de "tentativa e erro" como essa que estou passando?
Desde já agradeço,
G."
Caro G.
Essa é uma das perguntas que os jovens e adolescentes que ajudo mais me fazem. Como descobrir pelo que se é apaixonado e seguir aquilo como vocação motivada?
Para começar, precisamos desfazer um mal-entendido sobre o que consideramos motivação. No excelente texto de Wisdomination, ele fala sobre a importância da disciplina e não da motivação. Mas quero dar um passo atrás antes de descartar a motivação como um meio de realização efetiva.
Nossa capacidade de prever o futuro emocional é muito ruim, ou seja, erramos muito sobre como vamos nos sentir, especialmente quando nossa análise acontece num momento em que estamos especialmente amargurados.
Nunca tome uma decisão num dia de muita euforia ou amargor, pois errará para mais ou para menos.
Motivação e disciplina
O problema da nossa ideia de motivação é que ela se baseia num aspecto emocional de gosto/não-gosto e essa noção pós-moderna de gostar é líquida e hedonista. Ou seja, se algo provoca boas sensações a pessoa diz que gosta, se causa desagrado, diz que não gosta.
O que está errado nisso?
Na curva de aprendizagem entre não saber uma nova língua e sabê-la com proficiência há uma longa jornada. Até aquele ponto que começamos a ter mais resultado e engajamento, tudo parece infernal e horrível.
Andar de bicicleta foi um transtorno até que os pedais se alternassem sem uma queda humilhante. Se perguntados, exatamente no momento do tombo se gostamos de andar de bicicleta diríamos um categórico "não".
A maior parte das pessoas, portanto, diz que não gosta de sua potencial escolha profissional quando está na curva de aprendizagem e isso cria um ciclo negativo. Ela não se empenha porque ainda não é "gostosinho" e não faz aquilo com empenho. Como não faz direito, não ganha estímulo-elogio externo e isso não realimenta a sensação de mais valor e autoeficácia.
Você, querido G, como todos, gosta do que sabe fazer.
Basta reparar em quem é fanático por exatas. Toda pessoa que tem facilidade para matemática (inteligência lógica, alta capacidade de concentração, imaginativa, focada, menor afetação emocional) adora se gabar, ainda que para poucos amigos, sobre seus feitos.
Quem é expressivo, expansivo, distraído, emotivo e se sente incapaz de fazer uma conta sem errar no sinal dirá que "odeia matemática".
O problema é que a matemática humilha os emotivos, a sensação de "sou burro" é mais forte quando ele lida com números do que quando lida com gente ou processos.
O grau de imediatismo de uma pessoa determina o quanto ela gostará de atividades mais compenetradas em comparação com outras que só exigem conectividade e uma dose de "jeitinho". Se um matemático deixar para fazer suas contas em cima da hora, sabe que é humanamente impossível a ousadia, mas para o cara da área de humanas pode ser menos complicado deixar tudo para cima da hora e pegar um atalho derradeiro.
Preciso explorar meus desejos
Por que muitos adolescentes acabam tendo dificuldade em fazer suas escolhas? A diversidade de profissões é mais vasta no século XXI e isso cria uma paralisia por multiplicidade potencial. Se você tem que escolher entre três cores, o dilema será menor do que escolher entre dezessete, pois a renúncia, caso se escolha uma cor, é de ter perdido dezesseis que talvez fossem uma melhor escolha. Essa fantasia pode virar uma roda infinita de insatisfação.
Além disso, pelo próprio hedonismo exacerbado pela cultura vigente, essa é uma geração sem muita resiliência e pouco consciente de seus desejos. Como quem pula de uma aba do computador para outra, poucos exploram com tranquilidade os seus desejos pessoais. Essa inconsciência de si mesmos implica baixa capacidade de fazer escolhas apaixonadas. Tudo vira uma espécie de masturbação emocional, rápida e que alivia, mas não abastece de verdade.
Na hora de escolher a profissão, com a pressão de que é algo que vai fazer pelo resto da vida, o jovem mal sabe o que comeu no almoço, então, dificilmente terá acesso ao seu brilho no olho.
Uma ação prática é explorar com exaustão o máximo de áreas do conhecimento humano e sentir o que acende levemente uma chama e descartar o que não parece acender o desejo.
Depois, é preciso aprofundar mais, entender o estilo de vida dos profissionais típicos, perceber qual o grau de interação, tarefas repetitivas, em grupos ou individuais que cada profissão exige e perceber o que conflui para seu jeito de ser.
Mas é preciso ter clareza de uma coisa, somos bem adaptáveis e podemos, com o amadurecimento, entender que certas regras do jogo não são tão incontornáveis como fantasiamos.
Sua ideia de sucesso pode estar errada
Muitas pessoas, para fugirem da sensação de fracasso, criam uma armadilha mental, não se dedicam o suficiente para nada, para não sofrer caso sejam "derrotadas". Elas preferem alimentar o sonho de que, se tivessem feito engenharia ou medicina, teriam mais sucesso.
Essa é só uma engrenagem para não lidar com o sentimento de fracasso pessoal, o cerne é que elas atribuem à elementos externos o sucesso de suas carreiras.
A sensação de que o sucesso mark-zuckerbergiano veio com facilidade cria nos jovens essa síndrome de startup meio sonhadora, sem método, foco ou capacidade de execução.
Sem a capacidade de suportar coisas absurdamente chatas em todas as fases do projeto não é possível ter um mínimo de sucesso. Se você, G., não tiver essa disponibilidade de tolerar contrariedade, qualquer carreira será abominável, pois há sempre uma boa dose de chatice em qualquer processo.
Você precisa de empatia
Toda profissão nasce de um desejo de consertar algo que está quebrado, torto ou mau arrumado. Ou seja, qualquer profissão foi a formalização de uma tentativa de melhorar um fragmento da vida de uma pessoa e que se estendeu a uma coletividade.
Cada pessoa está numa colmeia facilitando o caminho de outra. Talvez, meu idealismo me impeça de pensar em algum trabalho (garantidas condições mínimas de salubridade) que não se enquadre nesse critério. Profissão nobre, portanto, é qualquer uma, mesmo que o profissional não tenha noção de que sua parte na engrenagem esteja beneficiando outro ser humano.
Para decidir por uma profissão e levá-la à sério, portanto, é importante ter um desejo secreto de cura e cuidado humano. Sem empatia genuína não há escolha legítima. Um astrofísico pode até trabalhar pelo seu prêmio, mas sabe que o impulso original é trazer alguma resposta que mude a percepção da vida para as pessoas.
A motivação efetiva nasce silenciosamente da empatia que temos pelo entendimento da cadeia beneficiadora que estamos inseridos.
Mito do amor ao que se faz
Nada contra ser um chef de cozinha, um fotógrafo ou um nômade digital, 3 profissões e estilos de vida que tem sua beleza própria, mas conheço muito funcionário público (trabalho discriminado por ser associado com apatia e passividade) que ama o que faz.
Tudo é uma questão de narrativa pessoal, pois se você fincou sua felicidade na ideia de viajar ou ter mobilidade, para ser feliz, pode ser que esteja perdendo de vista aspectos muito importantes de estar enraizado. E essa lacuna entre sonho e realidade pode transformar qualquer profissão em um fracasso.
Na contemporaneidade existe uma verdadeira fobia por ser funcionário que em muitos casos oculta uma grande dificuldade em se submeter a qualquer tipo de formalidade e hierarquia como se elas fossem intrinsecamente perversas ou corruptoras de alma.
Hoje há uma cultura de fazer o que se ama que, se mal avaliada, é potencialmente nociva. Será que temos resiliência para atravessar o fogo da curva de aprendizagem de qualquer profissão até que ela se torne amável aos nossos olhos?
A escolha profissional é esse amálgama delicado que mistura estilo de personalidade + habilidades potencias (ou consolidadas) + estilo de vida + ambição por realização e crescimento. O seu bom desempenho dependerá mais de uma capacidade crescente de execução que alterne entre prazer e empoderamento de curto ou longo prazo. Só um ou outro não alimenta a engrenagem.
Sei que aqui fiz mais questionamos que encaminhamentos, G., mas como sempre, podemos seguir essa conversa nos comentários.
publicado em 09 de Abril de 2015, 00:05